Receita de uma guerra civil não declarada: impunidade e desmobilização social
Não restam dúvidas, caros amigos: vivemos em um tempo difícil. Na verdade, somos sobreviventes de um dia-a-dia angustiante, melancólico, no tocante à questão da nossa segurança individual, familiar, coletiva; enfim, a violência (seja ela a urbana ou a decorrente do crime organizado) atinge o nosso País de uma forma jamais vista em nossa História. O Brasil vive momentos de intensa tensão social que muitos não hesitam em rotular de guerra civil não declarada.
Fatos inéditos, duros, como ataques do crime organizado a alvos civis e policiais em São Paulo--ataques comandados diretamente de dentro das penitenciárias-- configuram um espantoso quadro de anomalia social e política sem precedentes. Na ocasião, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) empreendeu suas ações em Julho/Agosto do ano de 2006, resultando em mortes às centenas, incluindo dezenas de vítimas absolutamente inocentes.
Fatos chocantes, estarrecedores, como o assalto ocorrido na cidade do Rio de Janeiro há aproximadamente quatro meses, vitimando o garoto João Hélio, de seis anos de idade, oportunidade em que a mãe do menino foi rendida ao volante de seu veículo. Presa ao cinto de segurança, a criança não conseguiu sair do carro. Os bandidos arrancaram com o veículo em alta velocidade, com o menino pendurado, sendo o corpo da criança arrastado pelo asfalto por aproximadamente sete quilômetros.
Pois bem, amigos, ambos os fatos, gravíssimos, apesar de sensibilizarem, sem dúvida, o brasileiro, não foram capazes de mobilizar, de forma realmente efetiva, a nossa sociedade, no sentido de vir a cobrar providências mais enérgicas de nossas autoridades constituídas. Resultado disto foi a aprovação, pelo Congresso Nacional, após tais ocorrências, de alguns projetos de lei relacionados à área da Segurança Pública, vindo, inclusive, uma destas proposições, a dificultar a obtenção da chamada progressão da pena (transferência do regime fechado de prisão para o semi-aberto) para os condenados por crime hediondo --como seqüestro, estupro, tráfico de drogas, homicídio qualificado e terrorismo. Digo-lhes que tais medidas e mudanças na legislação soam como uma resposta muito tímida diante de nossa cruel realidade.
Fico muitas vezes imaginando de que forma e com que reação nossa população toma conhecimento de determinadas notícias veiculadas abundantemente na mídia. Exemplo disto: como os brasileiros, que em sua grande maioria já se sentem permanentemente injustiçados por viverem em um País de tamanhas desigualdades sociais e econômicas, reagem ao fato de que um dos assassinos do garoto João Hélio, pelo fato de ser menor de idade, só poderá ficar detido por no máximo três anos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?? Certamente, em todos os brasileiros, reforça-se a sensação de impunidade. Porém, em relação às pessoas que ainda se sensibilizam e ficam horrorizadas com o crime (ainda é a grande maioria do nosso povo) surge a revolta, a angústia, a terrível sensação de impotência diante de tal horror e, infelizmente, um comodismo que vem nos arruinando a cada dia; já em relação àquelas pessoas que muitas vezes são encaradas pela sociedade como “vítimas do sistema” e que, por falta de oportunidades, não possuem qualquer perspectiva de uma vida digna (de usufruir de direitos básicos do cidadão: trabalho, saúde, educação, moradia, etc.), ou mesmo entre aquelas que, embora privilegiadas socialmente, possuem uma tendência ao cometimento de crimes, tais notícias podem ser encaradas como um estímulo; no final das contas, vale “ganhar a vida” para os desafortunados e “praticar o crime e não ser punido”para aqueles de melhor nível social; e, além do mais, com a certeza da impunidade e a de que “o crime compensa”(um engano tão comum principalmente entre os jovens delinqüentes), assume-se o risco.
Em nosso Estado a situação da violência não é diferente e assim como no restante do País tem as suas causas em fatores político-sociais que remetem não a meses ou anos, mas sim à décadas e décadas. Miséria, desigualdade social, péssima prestação dos serviços básicos constitucionalmente previstos como direitos do cidadão brasileiro, etc. O simples fato de andar nas ruas de nossas cidades, utilizar transportes coletivos, ir a Bancos, sair à noite, passaram a ser atividades que representam alto risco de morte. Enfim, até o exercício do direito de ir e vir -- o mais elementar dos direitos humanos-- é obstaculizado nos dias atuais.
Interessante é notar até o surgimento ultimamente de contadores de homicídios na Internet, inclusive sendo um deles disponibilizado por este site, no caso, se limitando às ocorrências registradas em nossa Vitória de Santo Antão. Encaro positivamente esta novidade, até porque este é o papel da Imprensa: registrar, mostrar, revelar a nossa realidade de forma transparente, por mais dura que ela seja.
Em tese, sempre acreditei que o direito à educação sendo bem prestado (o que definitivamente não ocorre hoje no Brasil), a Educação de qualidade, a Educação Cidadã, é o remédio para quase todas as nossas mazelas sociais, incluindo aí a questão da violência.....acredito que PAZ SOCIAL e EDUCAÇÃO estão intimamente ligadas, contudo, lembremos tão-somente que não é “do dia para a noite” que iremos oferecer à nossa juventude uma educação pública de qualidade, como também não será em um “passe de mágica” que o nosso País irá se deparar com uma incidência criminal em níveis pelo menos aceitáveis; é questão de vontade política, responsabilidade, planejamento e longo prazo. Porém, podemos, sim, abrandarmos, em curto prazo, o nível alarmante de nossa criminalidade e violência caso consigamos fazer com que a sociedade brasileira se mobilize, se for o caso, vá às ruas; como foi na Campanha das Diretas Já, em 1984; como foi no processo de Impeachment do Ex-Presidente Fernando Collor, em 1992; enfim, é preciso que nos mobilizemos fortemente no sentido de exigirmos de nossas autoridades e legisladores o combate eficaz a esta sensação de impunidade que se faz presente nos corações e mentes de todos nós, brasileiros e que, definitivamente, é uma das grandes fontes inspiradoras das mentes criminosas em nosso País.
Pensamento: “Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer”. Molière, dramaturgo francês.
A coluna do vereador Décio Filho está no Blog da Política Vitoriense, sempre às segundas feiras.