Num pedaço de papel comum, o pernambucano Lucimário José de Lira escreveu o próprio alvará de soltura. Saiu da cadeia na cidade de Extrema, Minas Gerais, no último dia 6 de maio, porque fez o nome dele completo, sem trocar nem esquecer letra alguma.
Maria Aparecida segura a primeira carteira de identidade do irmão, documento que ele não tinha, quando foi detido em situação de rua pela polícia mineira, em 2003. Foi através desse escrito simples que a polícia, a Justiça, a Defensoria Pública e o Ministério Público mineiros se deram conta de que prenderam - e mantiveram preso - o homem errado. Lucimário José de Lira cumpriu seis anos da pena dada a Lucimário José da Silva, outro pernambucano, de Custódia, condenado por um homicídio praticado no município mineiro. Hoje, aos 30 anos, Lira anda sem parar pela casa, em Bezerros, a 60 quilômetros do Recife. Roda todos os cômodos, repetitivamente, com as mãos para trás. Responde a qualquer pessoa com um "sim, senhor", "não, senhor". Hábitos que pegou na prisão. E isso foi o mínimo que ele trouxe de lá.Lucimário de Lira voltou a Bezerros no dia 7 deste mês. Foi acompanhado no avião por policiais de Extrema. No aeroporto do Recife, esperava por ele apenas a irmã por parte de pai, Maria Aparecida. O reencontro aconteceu depois de 14 anos, tempo em que ele deixou a cidade no Agreste de Pernambuco. Lucimário de Lira saiu sem dar notícias à família, em 1995, mesmo sendo portador de uma enfermidade mental. O outro Lucimário, o Silva, cometeu o homícidio um ano depois. Ele matou um conterrâneo a pauladas, em Extrema. Teria ido à cidade para trabalhar numa empreiteira. Lira permaneceu em Minas Gerais. Vagando de cidade em cidade. Já Silva, para fugir da prisão, voltou a Pernambuco, à terra natal, Custódia, onde tinha esposa e filhos, em 1996. No ano seguinte, a Justiça mineira expediu o mandado de prisão contra ele. Mas Silva somente compareceu à primeira audiência na comarca local, já em 2002. Não obedeceu aos demais atos do processo. Continuou morando em Custódia, em endereços diferentes. Apesar da prisão decretada, ele nunca foi preso. Começava a ser desenhada a história trágica de Lira. Com o mandado em aberto, a polícia de todo o Brasil ainda buscava o assassino Lucimário José da Silva. Em 2003, a polícia de Muzambinho, cidade mineira próxima à Extrema (onde ocorreu o crime) encontrou Lira em situação de rua. Ele não tinha documentos de identificação e falava pouco, do mesmo jeito que era em casa. Ainda assim, foi levado à delegacia. Depois da insistência dos policiais, soltou o primeiro nome: Lucimário. No sistema nacional de informação da polícia havia o mandado de prisão contra Lucimário José da Silva. Não existia qualquer outro registro dos dois Lucimários. Ambos não possuíam carteira de identidade nem impressões digitais cadastradas. Assim, sem defesa, Lira foi preso no lugar de Silva. E, por determinação da Justiça, teve que cumprir a pena em Extrema.Reviravolta - Na cadeia pública de Extrema, Lira era um preso incomum. Andava compulsivamente pela cela. Às vezes, batia a cabeça na grade. Ficava calado, em silêncio - como é até hoje. Não recebia visitas - como vive até hoje. Porisso Lira recebeu da Justiça uma medida de segurança (instrumento de proteção a quem não tem discernimento da própria vida). Passou a ser atendido em clínicas psiquiátricas de Minas. Uma roda-viva incerta. A última vez em que esteve internado foi neste ano, pouco antes da história ter uma reviravolta. Lira retornou à cadeia de Extrema no último mês de abril. Parecia tranquilo. E essa foi a deixa para um dos policiais que o acompanhavam, chamado Dante, puxar assunto. Teria perguntado novamente o nome do preso, entregando-lhe um papel e uma caneta. Receberia de volta o escrito: Lucimário José de Lira. O policial também conseguiria o lugar onde morou (Bezerros) e o primeiro nome da escola onde estudou (Getúlio de Andrade Lima).Inquieto com os novos dados, o policial teria iniciado a investigação. O trabalho envolveria outros colegas do distrito, de Bezerros e Custódia. Em menos de uma semana, confirmariam a frequência do rapaz na escola e em outro colégio, que ainda guardava o endereço da família. A rádio local chegou a divulgar o paradeiro do jovem desaparecido. E nesse dia, Aparecida fez o reconhecimento de Lira por uma foto trocada entre delegacias. Faltava definir o paradeiro de Lucimário José da Silva, o verdadeiro criminoso. E uma nova descoberta deixou a história mais dramática. Ao refazer o contato com Custódia, a polícia de Extrema recebeu um atestado de óbito de resposta. Silva faleceu em 2005. Foi assassinado do mesmo jeito que matou: a pauladas. Com as peças do caso encaixadas, a Defensoria Pública mineira, enfim, solicitou à Justiça o alvará de soltura em favor de Lucimário José de Lira. Ele reencontrou a liberdade no dia 6 deste mês. Mas parte valiosa da vida dele já ficou perdida, igual aquele pedaço de papel comum.
Maria Aparecida segura a primeira carteira de identidade do irmão, documento que ele não tinha, quando foi detido em situação de rua pela polícia mineira, em 2003. Foi através desse escrito simples que a polícia, a Justiça, a Defensoria Pública e o Ministério Público mineiros se deram conta de que prenderam - e mantiveram preso - o homem errado. Lucimário José de Lira cumpriu seis anos da pena dada a Lucimário José da Silva, outro pernambucano, de Custódia, condenado por um homicídio praticado no município mineiro. Hoje, aos 30 anos, Lira anda sem parar pela casa, em Bezerros, a 60 quilômetros do Recife. Roda todos os cômodos, repetitivamente, com as mãos para trás. Responde a qualquer pessoa com um "sim, senhor", "não, senhor". Hábitos que pegou na prisão. E isso foi o mínimo que ele trouxe de lá.Lucimário de Lira voltou a Bezerros no dia 7 deste mês. Foi acompanhado no avião por policiais de Extrema. No aeroporto do Recife, esperava por ele apenas a irmã por parte de pai, Maria Aparecida. O reencontro aconteceu depois de 14 anos, tempo em que ele deixou a cidade no Agreste de Pernambuco. Lucimário de Lira saiu sem dar notícias à família, em 1995, mesmo sendo portador de uma enfermidade mental. O outro Lucimário, o Silva, cometeu o homícidio um ano depois. Ele matou um conterrâneo a pauladas, em Extrema. Teria ido à cidade para trabalhar numa empreiteira. Lira permaneceu em Minas Gerais. Vagando de cidade em cidade. Já Silva, para fugir da prisão, voltou a Pernambuco, à terra natal, Custódia, onde tinha esposa e filhos, em 1996. No ano seguinte, a Justiça mineira expediu o mandado de prisão contra ele. Mas Silva somente compareceu à primeira audiência na comarca local, já em 2002. Não obedeceu aos demais atos do processo. Continuou morando em Custódia, em endereços diferentes. Apesar da prisão decretada, ele nunca foi preso. Começava a ser desenhada a história trágica de Lira. Com o mandado em aberto, a polícia de todo o Brasil ainda buscava o assassino Lucimário José da Silva. Em 2003, a polícia de Muzambinho, cidade mineira próxima à Extrema (onde ocorreu o crime) encontrou Lira em situação de rua. Ele não tinha documentos de identificação e falava pouco, do mesmo jeito que era em casa. Ainda assim, foi levado à delegacia. Depois da insistência dos policiais, soltou o primeiro nome: Lucimário. No sistema nacional de informação da polícia havia o mandado de prisão contra Lucimário José da Silva. Não existia qualquer outro registro dos dois Lucimários. Ambos não possuíam carteira de identidade nem impressões digitais cadastradas. Assim, sem defesa, Lira foi preso no lugar de Silva. E, por determinação da Justiça, teve que cumprir a pena em Extrema.Reviravolta - Na cadeia pública de Extrema, Lira era um preso incomum. Andava compulsivamente pela cela. Às vezes, batia a cabeça na grade. Ficava calado, em silêncio - como é até hoje. Não recebia visitas - como vive até hoje. Porisso Lira recebeu da Justiça uma medida de segurança (instrumento de proteção a quem não tem discernimento da própria vida). Passou a ser atendido em clínicas psiquiátricas de Minas. Uma roda-viva incerta. A última vez em que esteve internado foi neste ano, pouco antes da história ter uma reviravolta. Lira retornou à cadeia de Extrema no último mês de abril. Parecia tranquilo. E essa foi a deixa para um dos policiais que o acompanhavam, chamado Dante, puxar assunto. Teria perguntado novamente o nome do preso, entregando-lhe um papel e uma caneta. Receberia de volta o escrito: Lucimário José de Lira. O policial também conseguiria o lugar onde morou (Bezerros) e o primeiro nome da escola onde estudou (Getúlio de Andrade Lima).Inquieto com os novos dados, o policial teria iniciado a investigação. O trabalho envolveria outros colegas do distrito, de Bezerros e Custódia. Em menos de uma semana, confirmariam a frequência do rapaz na escola e em outro colégio, que ainda guardava o endereço da família. A rádio local chegou a divulgar o paradeiro do jovem desaparecido. E nesse dia, Aparecida fez o reconhecimento de Lira por uma foto trocada entre delegacias. Faltava definir o paradeiro de Lucimário José da Silva, o verdadeiro criminoso. E uma nova descoberta deixou a história mais dramática. Ao refazer o contato com Custódia, a polícia de Extrema recebeu um atestado de óbito de resposta. Silva faleceu em 2005. Foi assassinado do mesmo jeito que matou: a pauladas. Com as peças do caso encaixadas, a Defensoria Pública mineira, enfim, solicitou à Justiça o alvará de soltura em favor de Lucimário José de Lira. Ele reencontrou a liberdade no dia 6 deste mês. Mas parte valiosa da vida dele já ficou perdida, igual aquele pedaço de papel comum.
Fonte: DP
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