DESTAQUE DA COLUNA DA ESCRITORA LUZILÁ GONÇALVES FERREIRA - DIÁRIO DE PERNAMBUCO

A FOTO, ACIMA, MOSTRA - ALÉM DE LUZILÁ, QUE HÁ 40 ANOS TEM UM CASO DE AMOR COM ESSA PRAÇA, O POETA E PINTOR MONTEZ MAGNO, AUTOR DE UM LIVRO DE POEMAS INSPIRADOS NA PRAÇA DE CASA FORTE, E A ARQUITETA BETH ARARUNA, QUE TRABALHOU COM BURLE MARX PINTOR, TORNANDO-SE SUA GALERISTA NO RECIFE. É DELA UM PROJETO DE GRANDE IMPORTÂNCIA CULTURAL SOBRE O CENTENÁRIO DE BM, QUE - INFELIZMENTE - NÃO RECEBEU ATÉ HOJE O APOIO PARA A SUA PLENA REALIZAÇÃO.- (MP)

No começo de Os falsos moedeiros, de André Gide, Bernard Profitendieu explica ao amigo Olivier, que gostaria de fazer de uma praça um personagem de romance. E descreve como a vida aconteceria ali, com babás vigiando crianças construindo castelos de areia, com escolares na hora do recreio, operárias na pausa do meio-dia, pobres que viriam comer sentados sobre um banco. E, mais tarde, namorados se beijando ou brigando, sonhadores que encontram na praça a solidão buscada, indiferentes ao que existe em torno. E idosos que gostariam de ouvir a palavra amiga que inexiste na família. Esse movimento teria, diz Bernard, como num teatro: "pessoas cinzentas, sem sexo nem idade, para varrer as aléias, regar a grama, trocar as flores, enfim preparar a cena e o cenário antes que se abrissem as grades". E, no fim do dia, os portões se fechariam, todos sairiam.

"A peça acabou. Você entende, algo que daria a impressão do fim de tudo, da morte, mas sem falar da morte..." diz Bernard. E acrescenta que, numa espécie de epílogo,mostraria a praça, deserta em meio à noite, mais bela que durante o dia, o silêncio só cortado pelo ruído das folhas no vento, o doce barulho de uma fonte, um pio de pássaro noturno, e onde as estátuas se moveriam lentas, como sombras.

Sábado passado, um grupo de amigos estivemos com Marcus Prado na Praça da Casa Forte, que talvez pudesse ser personagem do romance de Bernard. Não fossem os galhos secos, há meses, nas árvores da mata atlântica ou da amazônia trazidos por Burle Marx; não fossem os parasitas crescendo livremente no topo da vegetação. Não fosse a incrível sujeira da água dos tanques, onde as vitória-régias já não podem vicejar, conforme explicou Geovana Costa Lima, que todos chamamos afetuosamente de Vaninha, moradora na Praça há mais de meio século. Não fossem as dezenas de recipientes com água para lavagem de carros, depositados ao lado de um dos tanques. E uma pergunta: já que vivem disso, por que os lavadores não enchem as latas uma a uma, à medida das necessidades, em vez de estragar a harmonia do conjunto?

Verdejante, bucólica, carregada de passado, faltaria pouco para que a Praça da Casa Forte recuperasse a antiga beleza criada por Burle Marx. E pudesse se transformar em cenário de romance.


Colaboração: Jornalista Marcus Prado

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