A voz das negras quilombolas

Vereadora licenciada de Salgueiro, Givânia Maria da Silva (PT), 38, dirige hoje em Brasília a coordenadoria de Regularização de Territórios Quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Negra como o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, militante forjada na luta pela terra e direitos humanos no Quilombo Conceição das Crioulas, no Sertão de Pernambuco, Givânia fará falta na entrega da Medalha Zumbi dos Palmares, na Assembléia Legislativa. A cerimônia aconteceu no final da tarde de ontem no auditório da Casa Joaquim Nabuco, no Recife. A medalha, resultado de lei de autoria do deputado Isaltino Nascimento (PT), é um reconhecimento à resistência do povo quilombola de Conceição, comunidade nascida em meados do século XVIII e que até hoje se mantém mobilizada em busca de cidadania. No Dia Nacional da Consciência Negra, Givânia estará ocupada com a briga que vem travando contra projetos de leis que, segundo ela, surgem com o intuito de impedir a consolidação de avanços dos quilombos. Alguns dos seus 4 mil conterrâneos de Conceição das Crioulas a representarão no evento. Para ela, é uma mostra da abertura de espaço que, embora tardia, o povo negro vem conseguindo. Graduada em Letras, com especialização em Programação do Ensino da Língua Portuguesa e em Desenvolvimento Local, ela faz questão de afirmar que a sua formação maior é em "Conceição das Crioulas". Para Givânia, o dia de hoje é importante não só para a população negra, mas para o povo brasileiro. "Isso, considerando as tentativas desse Brasil intransigente de, não diria reparar, mas diminuir o impactos causados pelo processo da escravidão". Na entrevista a seguir ela fala do seu trabalho no Incra e conta porque, após dois mandatos, não se candidatou à reeleição para a Câmara de Salgueiro.

Como a senhora recebe essa homenagem da Assembléia a Conceição das Crioulas?

Como filha de Conceição, ter a minha terra homenageada num dia tão importante para a sociedade brasileira, mas de forma particular para a população negra, é uma forma do estado de Pernambuco reconhecer uma comunidade formada por mulheres, que há cerca de 300 anos vem lutando, dia após dia, não só pelo resgate da sua identidade e das garantias de seus direitos, mas utilizando essa luta para encorajar outras comunidades espalhadas pelo país. Infelizmente não vou poder estar em Pernambuco, mas me sinto contemplada e feliz com a homenagem.

O que ressaltaria entre os avanços obtidos pelas comunidades quilombolas?

Primeiro, na verdade não havia, até 1988, menção alguma do Estado brasileiro em reconhecer essas comunidades. A Constituição, mesmo de forma tardia, reconheceu esse grupo como integrante do povo brasileiro. Segundo, é a constatação de que é preciso não só reconhecer mas promover ações em políticas públicas que possam garantir apermanência das comunidades nos territórios de forma digna. Acho que esse é o nosso objetivo. Essa política tem um caráter especial. E o governo do presidente Lula deu a ela esse caráter especial. A gente reconhece as dificuldades de implementação, mas estamos executando essa ferramenta para que o Estado brasileiro possa chegar até essas comunidades que não eram vistas nem incluídas como parte das sociedade brasileira.

Por que a senhora desistiu de concorrer à reeleição de vereadora?

Na verdade tive de me licenciar para assumir, em 24 de setembro (último), o cargo de coordenadora geral de regularização de territórios de quilombos no Incra. Mas eu já havia tomado a decisão de não mais me candidatar porque entendia que era importante abrir espaço para que outras pessoas pudessem disputar o cargo. Infelizmente não elegemos o representante da comunidade, mas tivemos um candidato (José João, do PT) com votação expressiva, o que demonstra que a comunidade continua firme no propósito de manter representantes na câmara.

E como está o trabalho na coordenadoria para impedir mudanças propostas em projetos da bancada ruralista?

Existe um projeto do deputado Valdir Colado (PMDB-SC), que propõe sustar o decreto nº 4887 (de 25 de novembro de 2003), que regulamenta o procedimento de regularização fundiária dos quilombos. Isso suspenderia, em tese, toda a política de regularização, porque ficaríamos sem essa atribuição e sem a definição dessa politica. Estamos subsidiando os líderes do governo e das bancadas para que eles possam entender a nocividade desse projeto. E a outra questão é o estatuto da igualdade racial, que alguns deputados afirmam que até votariam agora, desde que se retirasse a questão quilombola. Mas entendemos que o estatuto perderia o sentindo se fosse votado sem o tema quilombo. Estamos nessa luta oferecendo a governo os argumentos necessários para que essa política já desenhada não desapareça do estatuto. Seria um retrocesso.

Fonte: DP


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